quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Pontos Cegos


É através do olhar que fazemos uma leitura de tudo que nos cerca: ambiente, pessoas e sensações. Mas eis uma verdade: nunca teremos nenhuma certeza. Nenhum conceito se esgotará em suas conclusões, por mais preciso e imparcial que você seja.


Vemos o mundo ao nosso redor através de muitos sentidos.
Vemos o mundo também através do olhar.
Todo olhar, porém, tem um ponto cego.


Um dado científico: o ponto cego é uma pequena região da retina por onde passam vasos sanguíneos e onde os neurônios formam o nervo óptico e, por isso, há ausência de fotorreceptores. Logo, não é possível capturar imagens. Situação boa de ilustrar este conceito é quando você olha pelo retrovisor do carro e não há carros próximos. Ao dar seta, você ouve uma buzina e, instantaneamente, há um carro quase ‘em cima’ do seu. Não é que ele não estava lá. Foi você que não o viu.


Um dado comportamental: há comportamentos que não percebemos.


Uma conclusão inicial: não sabemos do outro.


De certa forma, capturamos mensagens diversas do ambiente, no intuito de promover o conhecimento e a atuação de forma assertiva. Fazemos isso ao conhecer pessoas e nos aproximarmos para uma amizade ou um relacionamento afetivo. Fazemos também para crescer profissionalmente e propor soluções que permitam a evolução dos processos e o autoaprendizado. Mas quem disse que é fácil?


Preciso me conformar. Admito que me frustre em decorrência da nossa incapacidade de controlar o ambiente. A gente aprende que não é assim, que este é um poder limitado a Deus apenas, porém quem nunca se arrependeu por confiar demais em alguém e se decepcionou (julgando conhecer o suficiente), quem nunca tomou uma decisão profissional e se deu mal, quem nunca previu acontecimentos de experiências semelhantes e, no final, teve uma grande surpresa com algo que não esperava?


Mas eu penso que temos um conhecimento vivo – uns mais, outros menos. O ser humano está em constante busca e absorve a cada dia para torna-se melhor, entretanto tal conhecimento não valida ações que remetem ao outro. Esta permissão é tão sedutora quanto arriscada. Essas situações reforçam que, além de gerarmos uma carga extrema de expectativas sob o outro, todas elas são ilusórias, porque antes de tudo, não sabemos deste outro, portanto, expectativas apenas esperam, mas não acontecem. Foi assim que eu entendi o sábio dito popular: se conselho fosse bom, não se dava. Vendia!


Há uma parte do mundo no qual somos completamente cegos. Todo olhar tem um ponto cego e, sendo bastante otimista talvez esta condição exista para que alguns momentos de felicidade não sejam ‘estragados’. Mesmo que a realidade chegue posteriormente, houve tempo para celebrações.


Quando comecei a pensar nesta relação entre o ponto cego e a leitura que fazemos do mundo para captá-lo, pensei numa coisa óbvia que é a multiplicidade dos sentidos utilizados para o mesmo fim. Assim como a visão, contamos também com o paladar, a audição, o olfato e o tato. Porém, nenhum desses, respalda tanto a visão, quanto a intuição.


Relação paradoxal é esta entre a intuição e a visão. Enquanto a primeira é mais confiável, é a segunda a mais utilizada talvez porque seja mais confortável o conjunto olhar, observar e inferir. Embora mais confortável, não acredito que um sentido deva se destituir do outro para ser bom o suficiente.

Ademais, uma boa dose de desconfiança para acompanhar. Confiar é bom. Ser confiável então é transmitir muita segurança ao outro, mas é um conforto caro. Ninguém é 100% confiável. Pode me chamar de pessimista. I don’t care. Só acho que soa utópico e inocente.

Eu tenho defeitos (e não são poucos), mas o meu projeto de vida não se baseia na perfeição e sim na lucidez de poder enxergar os erros, me redimir e aprender, estabelecendo a linha fronteiriça entre o impacto que isso causa em mim, no outro e no ambiente. Meu compromisso com a lucidez é apenas este. O restante pode ser bem torto, anormal, fora do comum e do esperado.


A gente não nasceu para parecer previsível. Loucura está em querer o controle e a previsibilidade. Se eu estou ajudando a manter o ponto cego do outro, eu não sei. Mas apesar de arriscado, o imprevisível faz da gente, pessoas mais interessantes.


Ju Braga

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